Drº Antonio José Camillo de Aguiar (UnB)
As espécies são elementos básicos de biodiversidade, frutos de milhões de anos de evolução que permitiram a seleção de diferentes formas. Estima-se, por exemplo, que as espécies do Cerrado tenham se diferenciado entre 60 e 10 milhões de anos, a partir de ancestrais que ocupavam outros biomas. Processos geológicos, ecológicos e mudanças climáticas foram responsáveis por essa diferenciação entre as distintas espécies e sua distribuição diferencial no espaço.
O conhecimento, manejo e conservação da biodiversidade dependem da avaliação das espécies através de seu reconhecimento e avaliação no espaço. As coleções científicas de biodiversidade representam bancos de registros das espécies que permitem a verificação do registro das espécies em um determinado espaço (local) e tempo.
As abelhas sem ferrão são exemplos tão comuns quanto qualquer outra espécie, sendo que suas características foram selecionadas de acordo com fatores regionais como clima, relevo, fontes de alimento, dentre outras. As lacunas de conhecimento sobre a diversidade de abelhas sem ferrão se expõem de diversas formas, como por exemplo na inexistência de dados verificáveis que permitam o reconhecimento das espécies e sua distribuição geográfica.
Existem muitos exemplos alarmantes que demonstram o tamanho das lacunas de conhecimento. No Brasil, só foi possível inferir extinções regionais das espécies Melipona fuliginosa, conhecida como uruçu-boi, e da Melipona quinquefasciata, uruçu-do-chão, devido à existência de registros históricos de espécimes depositados em coleções científicas.
A Melipona fuliginosa tem distribuição sobre áreas florestadas de grande porte, em grande parte do Brasil, e existe somente um espécime de 1913 registrado para Rincão, no estado de São Paulo, depositado na Coleção do Museu de Zoologia da USP. Florestas exuberantes com perobas e jequitibás gigantescos foram totalmente eliminadas no estado de São Paulo e Paraná, levando junto todos os potenciais registros da espécie.
No caso da Melipona quinquefasciata, a espécie foi descrita a partir de um espécime coletado em Missiones, no oeste do Rio Grande do Sul, provavelmente em áreas de campos com elementos de cerrado. Desde sua descrição, nunca mais foi registrada no Rio Grande do Sul, e todo oeste do Rio Grande do Sul foi tomado pela soja.
Os espécimes coletados, rotulados, depositados e preservados nas coleções permitiram e permitem reconhecer distribuições, muito mais amplas que as vistas atualmente, que já demonstram que estamos passando há décadas por um ritmo acelerado de extinção local e regional de espécies. Desta forma, as abelhas nativas sem ferrão são testemunhas de um tempo remoto de condições ambientais. Além disso, processos mais recentes como efeitos de mudanças climáticas, perda de áreas naturais, uso de agrotóxicos e tráfico de espécies entre áreas estão levando a uma nova configuração da distribuição das espécies e os registros são fundamentais para sua compreensão.
Nannotrigona testaceicornis, registrada em 1836, no sul do estado de Goiás, com etiquetas e padrão de rotulagem da época. Coleção do Museu de História Natural de Paris.
As coleções científicas estão distribuídas em todo mundo, em geral em instituições públicas que permitem o livre acesso ao material para pesquisa. Espécimes históricos como o da Melipona quinquefasciata, coletada por Saint Hillaire em meados de 1830 em suas excursões pelo sul do Brasil, estão conservados até hoje no Museu de História Natural de Paris. No Brasil, as coleções estão de norte a sul, em instituições como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Museu Emilio Goeldi e nas Universidades.
Trigona fuscipennis, registrada recentemente no DF, com dados de coordenadas geográficas e datas precisas do registro. Coleção de Abelhas do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília.
Em Brasília, a Universidade de Brasília, através do projeto “Abelhas sem ferrão do DF”, tem realizado um trabalho sistemático de compilação de registros da Coleção Entomológica do Departamento de Zoologia desde 1970, bem como realizado novas coletas diretamente em campo e através de parceiros da AMe-DF. Mais de dez mil espécimes estão sendo cuidadosamente incorporados em planilhas e disponibilizados continuamente através de bases de acesso públicas como sistema do Specieslink, via Centro de Referência Ambiental (CRIA). Este diagnóstico permitirá reconhecer e traçar um cenário atual das espécies de abelhas sem ferrão do DF, e traçar metas de conservação e manejo para o futuro destas espécies.
O doutor Antonio José Camillo de Aguiar é professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB).
Links de interesseCamargo, J.M., & Pedro, S.R. (2008). Revisão das espécies de Melipona do grupo fuliginosa (Hymenoptera, Apoidea, Apidae, Meliponini). Revista Brasileira De Entomologia, 52, 411-427.
Museu de História Natural de Paris
Centro de Referência Ambiental, Coleção Entomológica do Departamento de Zoologia
Laboratório de Abelhas da UnB
Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília
Campos Darcy Ribeiro, Instituto de Ciências Biológicas
Departamento de Zoologia, sala AT 20/8
Telefone: (61) 3107-3022
http://www.unbeelab.unb.br/ https://www.instagram.com/unbeelab/
asfdodf@gmail.com