A Meliponicultura no DF

Roberto Montenegro

O Distrito Federal (DF) está situado no Centro-Oeste, ao longo da região geográfica conhecida como Planalto Central do Brasil, com altitude entre 850 a 1350 m do nível do mar (Atlas do Distrito Federal 2020, CODEPLAN). Faz divisa com os Estados de Goiás e Minas Gerais, possuindo vegetação típica do bioma Cerrado e clima tropical (duas estações marcantes: a chuvosa e a seca).

A Meliponicultura começou a ser praticada no DF no final da década de 90, quando os apicultores passaram a relatar a captura de enxames de abelhas nativas em suas caixas de Apis mellifera e foram orientados pela Associação de Apicultores do Distrito Federal – APIDF – a cuidar dos enxames capturados, apesar das dificuldades enfrentadas (falta de conhecimento e de caixas disponíveis para um manejo adequado).

A atividade tem despertado o interesse de ambientalistas, técnicos rurais, professores, pesquisadores, pequenos produtores rurais e principalmente de hobistas para as finalidades de educação ambiental, pesquisa, geração de renda, polinização e/ou lazer. É ambientalmente sustentável (desde que se utilize espécies de ocorrência local e que haja pasto meliponícola disponível), com um enorme potencial socioeconômico e que ajuda na conservação de espécies ameaçadas pela expansão agrícola, pelo uso indiscriminado de pesticidas e pela exploração predatória por meleiros[1].

Nem todas as espécies de abelhas nativas aceitam manejo e criação racional (em caixas padronizadas), mas as mais comuns criadas no DF são: Jataí (Tetragonisca angustula), Mandaguari Preta (Scaptotrigona cf. postica), Marmelada Amarela (Frieseomelitta varia), Iraí (Nannotrigona testaceicornis), Mirim (Plebeia), Lambe-olhos (Leurotrigona muelleri), Borá (Tetragona clavipes) e Uruçu Amarela do Cerrado (Melipona rufiventris). Os principais problemas relatados pelos meliponicultores locais são os ataques da Abelha-Limão (Lestrimelitta limao), forídeos, a pulverização periódica de UBV (fumacê) na zona urbana para combater a dengue e de inseticidas nas lavouras, principalmente de soja, próximas aos meliponários, além da falta de uma legislação que dê legitimidade jurídica à atividade. A maior parte (90%) dos meliponários no DF está localizada na zona urbana.

[1] Pessoas que abrem ninhos de abelhas nativas das árvores para coletar e vender seu mel, muitas vezes destruindo as árvores e os ninhos, ou mesmo retiram os ninhos para vendê-los. Esta prática constitui crime ambiental (Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98).

A organização dos meliponicultores em associações ainda é fraca e predominam os grupos de WhatsApp, que congregam dezenas de criadores do DF e entorno. A associação de meliponicultores sem fins lucrativos mais antiga é a AMe-DF, fundada em 2016, e que no início de 2023 contava com 50 associados. A AMe-DF já promoveu dezenas de cursos, atividades de educação ambiental em escolas públicas e privadas e apoio técnico para pesquisas científicas. Por exemplo, em 2017 a 2019, colaborou com o projeto “ASF do DF”, realizado pela Universidade de Brasília (UnB), e desde 2022 é parceira do “Projeto Rufi”, duração de 36 meses), coordenado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, juntamente com os demais parceiros UnB, UFV, ICMBio, Emater-DF, UESB, IFBaiano e INPA.  O projeto “Rufi” visa avaliar o potencial fluxo gênico entre ninhos naturais e de meliponários da abelha em perigo de extinção Uruçu Amarela do Cerrado (Melipona rufiventris).

Foto: Projeto “Rufi” (Ninho natural de Uruçu Amarela do Cerrado)

PROJETO RUFI

A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e parceiros UnB, AMe-DF, UFV, Emater, UESB, INPA e ICMBio, com o apoio financeiro da FAPDF, está conduzindo um projeto de 2 anos para avaliar o risco da perda de diversidade genética em populações naturais da uruçu amarela do Cerrado (Melipona rufiventris) devido à movimentação de enxames entre diferentes regiões, feita sem prévio conhecimento e planejamento de condições que possam garantir a sustentabilidade das populações naturais e das mantidas em meliponários. A pesquisa abrange apenas o Cerrado, área de distribuição natural desta espécie, que compreende o DF, GO, MG, TO, MA, PI, BA, MS e MT.

Apesar de haver mercado no DF, a atividade comercial dos produtos derivados da criação das abelhas nativas ainda é incipiente. A venda de ninhos tem sido a principal fonte de renda advinda da meliponicultura regional e, apesar de proibido pela resolução CONAMA n° 496/2020, muitas vezes há a comercialização de ninhos de espécies que não são de ocorrência local. No DF, por exemplo, é possível adquirir ninhos de espécies de outras regiões como: Mandaçaia (Melipona quadrifasciata), Uruçu Nordestina (Melipona scutellaris), Tiúba (Melipona fasciculata), além de outras Uruçus Amarelas (Melipona flavolineata e Melipona mondury).  Tal comércio de ninhos pode estar estimulando o suposto “resgate” dos mesmos na natureza, por meleiros, sem que haja uma real situação de risco para a sobrevivência dos ninhos.

Mesmo sendo a menor unidade federativa do país (área territorial de 5.760,784 km²; IBGE, 2022), o DF possui uma considerável diversidade de abelhas sem ferrão. Atualmente, graças ao projeto “ASF do DF”, há registro de 40 espécies de ocorrência local (Tabela 1). Os espécimes estão depositados na Coleção Entomológica da UnB.

Tabela 1 – Espécies de ocorrência no DF

 (Fonte: SpeciesLink/CRIA, e UnBeeLab)

DZUB – Coleção Entomológica da Universidade de Brasília (UnB)

* Taxonomia concluída – em processo de depósito na coleção

EspécieNome PopularColeção
01Cephalotrigona capitata (Smith, 1854)Mombucão*
02Frieseomelitta doederleini (Friese, 1900)Moça brancaDZUB
03Frieseomelitta languida (Moure, 1990)Mocinha pretaDZUB
04Frieseomelitta varia (Lepeletier, 1836)Marmelada, Marmelada amarelaDZUB
05Geotrigona aequinoctialis (Ducke, 1925)MombucaDZUB
06Geotrigona mombuca (Smith, 1863)Mombuca, GuiruçuDZUB
07Geotrigona subterranea (Friese, 1901)Mombuca, GuiruçuDZUB
08Lestrimelitta limao (Smith, 1863)Iratim, Abelha limãoDZUB
09Lestrimelitta rupifes (Friese, 1903)Iratim, Abelha limão*
10Leurotrigona muelleri (Friese, 1900)Lambe olhosDZUB
11Melipona quinquefasciata (Lepeletier, 1836)Uruçu do chão, Mandaçaia-da-terraDZUB
12Melipona rufiventris (Lepeletier, 1836)Uruçu amarelaDZUB
13Nannotrigona testaceicornis (Lepeletier, 1836)IraíDZUB
14Oxytrigona tataira (Smith, 1863)Tataíra, caga-fogo*
15Paratrigona lineata (Lepeletier, 1836)Jataí da terraDZUB
16Partamona ailyae (Camargo, 1980)Boca de sapoDZUB
17Partamona combinata (Pedro & Camargo, 2003)Boca de sapoDZUB
18Partamona cupira (Smith, 1863)CupiraDZUB
19Plebeia aff. droryana (Friese, 1900)Mirim, Mirim droryanaDZUB
20Plebeia aff. minima (Gribobo, 1893)MirimDZUB
21Scaptotrigona depilis (Moure, 1942)CanudoDZUB
22Scaptotrigona polysticta (Moure, 1950)BenjoíDZUB
23Scaptotrigona cf. postica (Latreille, 1807)Mandaguari, Mandaguari pretaDZUB
24Scaura amazonica (Nogueira, Oliveira e Oliveira, 2019)Jataí preta, Jataí negraDZUB
25Scaura longula (Lepeletier, 1836)Jataí preta, Jataí negraDZUB
26Schwarziana quadripunctata (Lepeletier, 1836)Guiruçu, GuiraDZUB
27Tetragona clavipes (Fabricius, 1804)Borá, JataizãoDZUB
28Tetragonisca angustula (Latreille, 1811)JataíDZUB
29Trigona aff. fulviventris (Guérin, 1844)Bunda-de-vaca, Cu-de-vaca, Abelha cachorroDZUB
30Trigona aff. fuscipennis (Friese, 1910)Abelha capeta, Abelha diaboDZUB
31Trigona cilipes (Fabricius, 1804)*
32Trigona hyalinata (Lepeletier, 1836)Guaxupé, XupéDZUB
33Trigona hypogea (Silvestri, 1902)Abelha carniceira, Abelha abutre*
34Trigona pallens (Fabricius, 1798)Olho de vidroDZUB
35Trigona cf. recursa (Smith, 1863)FeiticeiraDZUB
36Trigona spinipes (Fabricius, 1793)Arapuá, IrapuáDZUB
37Trigona truculenta (Almeida, 1984)SanharãoDZUB
38Trigonisca intermedia (Moure, 1990)Lambe olhosDZUB
39Trigonisca meridionalis (Albuquerque & Camargo, 2007)Lambe olhosDZUB
40Trigonisca pediculana (Fabricius, 1804)Lambe olhos*

As pesquisas sobre abelhas nativas no DF envolvem tanto seu registro de ocorrência, quanto a taxonomia, a diversidade genética, a avaliação do risco da movimentação indiscriminada de ninhos para fora da região de ocorrência natural, o uso como agentes de polinização em cultivos protegidos, etc.

A Meliponicultura no DF tem tido papel primordial em disseminar o conhecimento sobre as abelhas nativas regionais e sua importância para o meio-ambiente. Muito ainda há para ser aperfeiçoado no trabalho de conservação e preservação das abelhas nativas. A união de esforços, experiências e conhecimento entre os meliponicultores, os pesquisadores e os legisladores/órgãos reguladores parece ser fundamental para incrementar a sustentabilidade da atividade. Faz-se necessário a criação de espaços que promovam o diálogo entre esses segmentos, bem como o fomento às pesquisas regionais para suprir dados que reduzam a grande carência por conhecimento científico, para calar “achismos” e subsidiar políticas públicas.

Obs: Esse artigo foi publicado originalmente no jornal da meliponicultura “EYMBA ACUAY” edição de março/abril de 2023 e atualizado em 31/10/2023.

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